"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À
VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO
PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO
CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.
1. A ordem constitucional
vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que
deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados
não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz
de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.
2. Sobreleva notar, ainda, que
hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a
um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de
suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve
partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse
ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial
proteção a dignidade da pessoa humana.
3. Sobre o tema não dissente o
Egrégio Supremo Tribunal Federal, consoante se colhe da recente decisão,
proferida em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 175/CE,
Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 17.3.2010, cujos fundamentos se
revelam perfeitamente aplicáveis ao caso sub examine, conforme noticiado no Informativo
579 do STF, 15 a 19 de março de 2010, in verbis:
"Fornecimento de
Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde – 1
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.
Fornecimento de Medicamentos e
Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde – 2
Entendeu-se que a agravante não
teria trazido novos elementos capazes de determinar a reforma da decisão
agravada. Asseverou-se que a agravante teria repisado a alegação genérica de
violação ao princípio da separação dos poderes, o que já afastado pela decisão impugnada
ao fundamento de ser possível, em casos como o presente, o Poder Judiciário vir
a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de
tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade
de vida da paciente. No ponto, registrou-se que a decisão impugnada teria
informado a existência de provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente
e a necessidade do medicamento indicado. Relativamente à possibilidade de
intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45
MC/DF (DJU de 29.4.2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e
da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas
públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade
governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta
suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem
em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município,
considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na
jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados
em matéria de saúde (RE 195192/RS, DJU de 31.3.2000 e RE 255627/RS, DJU de
23.2.2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse
tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de
cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos.
No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da responsabilidade
solidária no RE 566471/RN (DJE de 7.12.2007), que teve reconhecida a
repercussão geral e no qual se discute a obrigatoriedade de o Poder Público
fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na
Corte a Proposta de Súmula Vinculante 4, que propõe tornar vinculante o
entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes
da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da
responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar
questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar
a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria
seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art.
23, II), a Lei federal 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se,
assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento
não configuraria grave lesão à ordem pública. Asseverou-se que a correção, ou
não, desse posicionamento, não seria passível de ampla cognição nos estritos
limites do juízo de contracautela.
Fornecimento de Medicamentos e
Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde – 3
De igual modo, reputou-se que as
alegações concernentes à ilegitimidade passiva da União, à violação de
repartição de competências, à necessidade de figurar como réu na ação principal
somente o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e à
desconsideração da lei do SUS não seriam passíveis de ampla delibação no juízo
do pedido de suspensão, por constituírem o mérito da ação, a ser debatido de
forma exaustiva no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional
que ensejara a tutela antecipada. Aduziu, ademais, que, ante a natureza
excepcional do pedido de contracautela, a sua eventual concessão no presente momento
teria caráter nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à subsistência e
ao regular desenvolvimento da saúde da paciente, a ensejar a ocorrência de
possível dano inverso, tendo o pedido formulado, neste ponto, nítida natureza
de recurso, o que contrário ao entendimento fixado pela Corte no sentido de ser
inviável o pedido de suspensão como sucedâneo recursal. Afastaram-se, da mesma
forma, os argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas, haja vista
que a decisão agravada teria consignado, de forma expressa, que o alto custo de
um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria
suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público. Por fim, julgou-se
improcedente a alegação de temor de que esta decisão constituiria precedente
negativo ao poder público, com a possibilidade de resultar no denominado efeito
multiplicador, em razão de a análise de decisões dessa natureza dever ser feita
caso a caso, tendo em conta todos os elementos normativos e fáticos da questão
jurídica debatida."(STA 175 AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2010.
4. Last but not least, a alegação
de que o impetrante não demonstrou a negativa de fornecimento do medicamento
por parte da autoridade, reputada coatora, bem como o desrespeito ao prévio
procedimento administrativo, de observância geral, não obsta o deferimento do pedido
de fornecimento dos medicamentos pretendidos, por isso que o sopesamento dos
valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à
obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente.
5. Sob esse enfoque manifestou-se
o Ministério Público Federal:"(...)Não se mostra razoável que a ausência
de pedido administrativo, supostamente necessário à dispensação do medicamento em
tela, impeça o fornecimento da droga prescrita. A morosidade do trâmite burocrático não pode sobrepor-se
ao direito à vida do impetrante, cujo risco de perecimento levou à concessão da
medida liminar às fls.79 (...)" fl. 312
6. In casu, a recusa de
fornecimento do medicamento pleiteado pelo impetrante, ora Recorrente, em razão
de o mesmo ser portador de vírus com genótipo 3a, quando a Portaria nº 863/2002
do Ministério da Saúde, a qual institui Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas,
exigir que o medicamento seja fornecido apenas para portadores de vírus
hepatite C do genótipo 1, revela-se desarrazoada, mercê de contrariar relatório
médico acostado às fl. 27.
7. Ademais, o fato de o relatório
e a receita médica terem emanado de médico não credenciado pelo SUS não os
invalida para fins de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, máxime
porque a enfermidade do impetrante foi
identificada em outros laudos e exames médicos acostados aos autos (fls.26/33),
dentre eles, o exame "pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C
(HCV)" realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à
Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná, o qual obteve o resultado
"positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV" (fl. 26).
8. Recurso Ordinário provido,
para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito
suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito
recursal e respectivo provimento."
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